Ainda não desci as escadas que me conduzem a esse exíguo espaço mas já ouço o barulho que anuncia a tua árdua tarefa.
Não sei se pelos meus pés pequenos se pelos íngremes degraus, chegar a esse teu recanto sempre me pareceu um exercício de equilibrismo ou contorcionismo, como se só os mais ousados tivessem permissão para a ele chegar.
Uma pequena cortina enegrecida oculta a magia que nele ocorre.
A luz, improvisada, ilumina a tua pequena área de trabalho.
Corro a cortina e aí estás tu!
Da mesma solta-se uma névoa de pó castanho que exala um doce odor. Sorrio. Afinal todo tu estás envolto na mesma névoa. Das tuas mãos ao teu cabelo, todo o teu ser coberto desse pó que da magia resulta. É todo um processo de transformação, desempenhado com muita paixão, que pelas tuas mãos ocorre.
Num grande e pesado saco, (seria de sarapilheira?), no chão pousado, grãos de café aguardam pacientemente a sua vez. Uma espécie de copo medidor metálico recolhe-os e deposita-os num funil de uma grande e velha máquina na tua frente. Não consigo ler as letras que ela estão gravadas. Há muito que perderam a nitidez. O azul da sua maquinaria, desbotado, deu lugar a um cinzento. Talvez seja somente o resultado do pó e da fuligem que a cobrem...
Musica. Oiço música quando os grãos de café caiem um a um no reservatório, embatendo com alegria uns nos outros. É uma espécie de chuva musical.
Enterro as minhas mãos no saco, encho-as o mais que posso e faço chover grãos de café. Música.
nao me recordo se era um processo manual ou semi automatizado. Sei que de um outro extremo da máquina jorrava um lindo, fino e solto pó castanho com o mais envolvente dos aromas.
Pequenos sacos acomodavam esse tão delicado pó castanho.
Lá em cima, no piso superior onde a luz do sol entrava, clientes aguardavam pelo privilégio de levar o resultado do teu labor, que mais tarde lhes proporcionaria momentos de prazer a sós ou em família, enquanto numa cafeteira repousava o "café da avó" ou na chávena que lentamente sorviam enquanto tão precioso líquido lhes aquecia as mãos, a alma e o coração.
Guardo em mim todos estes pequenos grandes momentos. São eles que me aquecem a alma e o coração. Quanto às minhas mãos, aquece-as o café que entre elas seguro.
Sorrio. Inalo o seu aroma e sorrio...
Sabes..., cheiro a café é cheiro a Ti!